Em palestra perante um auditório de extrema
direita e de dirigentes da TFP, o comandante militar do Sudeste, general
Adhemar da Costa Machado Filho afasta a possibilidade de intervenção militar
para barrar o desenvolvimento democrático
Comendante da 2ª Região Militar, General João Camilo Pires de Campos e Comandante Militar do Sudeste, General de Exército Adhemar da Costa Machado Filho.
Por
José Carlos Ruy - 19 de março de 2012 – Transcrição na integra do Portal
Vermelho
Uma
notícia de grande importância quase não foi notada no ultimo final de semana: o
comandante militar do Sudeste, general Adhemar da Costa Machado Filho,
assegurou em palestra perante a cúpula da TFP e de uma parte significativa da
extrema direita brasileira que ditadura militar, “nunca mais”.
A
palestra foi relatada em artigo do repórter Roldão Arruda em O Estado de S. Paulo
(“Caserna longe da crise com o governo”, 17 de março), e a afirmação do general
confirma o profissionalismo e o espírito cívico e constitucionalista que
prevalece entre os oficiais das Forças Armadas, desautorizando as vozes
saudosas da ditadura militar que se manifestam (em documentos assinados
inclusive por oficiais acusados de tortura) contra a apuração dos crimes
cometidos pela repressão durante os governos militares de 1964 a 1985.
A
palestra foi promovida em São Paulo pelo Instituto Plínio Corrêa de Oliveira,
que reúne uma parcela considerável da organização ultradireitista Tradição
Família e Propriedade. Entre as 200 pessoas que ouviram o general estavam altos
dirigentes daquela entidade reacionária, como o príncipe D. Bertrand de Orleans e Bragança (que se apresenta como herdeiro
da monarquia brasileira), e o empresário Adolpho Lindenberg, presidente do
instituto.
A
descontração do general contrastou com a tensão na plateia, diz a reportagem. É
compreensível: enquanto aquele comandante enfatizou questões como o
profissionalismo dos militares e a modernização das Forças Armadas, o objetivo
de seus ouvintes conservadores era outro, claramente político. Como no passado,
a extrema direita mantém a esperança de uma intervenção dos militares num
quadro político em que a influência conservadora é declinante.
A
plateia direitista ouviu o que não quis. A frase do general foi provocada por
um bilhete vindo da plateia, que dizia: "O que mais tenho ouvido é elogio
ao período militar, em comparação com a situação atual. Urge uma intervenção.
Caso contrário seguiremos nessa senda nefasta em direção à ditadura da qual nos
livramos em 1964."
A
resposta jogou água fria nas esperanças golpistas insinuadas no bilhete,
registrou a reportagem: O general juntou as mãos e, após breve silêncio,
respondeu: "Dias atrás me perguntaram: 'General, quando os senhores
voltam?' Respondi: 'Nunca mais. O Brasil mudou'."
E
enfatizou, para não deixar dúvida: as Forças Armadas são "um instrumento
do Estado brasileiro a serviço do governo eleito democraticamente". E foi
além. Sem citar explicitamente a Comissão da Verdade, disse: "Nós olhamos
para o futuro. Não olhamos pelo espelho retrovisor".
As
palavras do general Adhemar da Costa Machado Filho precisam ser registradas.
Elas revelam uma inflexão política fundamental ocorrida nas últimas décadas,
com o crescimento entre os militares da consciência democrática, legalista e
profissionalista, e também da compreensão de que as Forças Armadas são
instrumentos constitucionais para a afirmação da soberania nacional.
"Somos o quinto país em extensão territorial e a sexta economia do mundo.
Um país como esse precisa de Forças Armadas à altura da posição que
ocupa", disse ele, com razão.
A
experiência brasileira desde final da Segunda Guerra Mundial foi marcada pela
intensa intervenção militar na política e pelo embate entre duas correntes
militares. Uma, nacionalista e democrática, lutou pela soberania do país, pelo
desenvolvimento econômico e pelo bem estar dos brasileiros. A outra, que unia
fascistas, conservadores, autoritários e chefes militares alinhados com os EUA,
acabou prevalecendo com o golpe militar de 1964. Sob seu comando a democracia
foi eliminada, o desenvolvimento nacional autônomo foi abandonado e o
alinhamento automático com os EUA comprometeu gravemente a soberania nacional.
O general Castelo Branco, que inaugurou depois do golpe de 1º de abril de 1964
a série de generais presidentes foi explícito nessa afronta à soberania
nacional em um discurso pronunciado no Itamarati, em 31 de julho de 1964,
quando estava no comando da presidência da República: “no presente contexto de
uma confrontação de poder bipolar, com radical divórcio político ideológico
entre os dois respectivos centros, a preservação da independência pressupõe a
aceitação de certo grau de interdependência, quer no campo militar, quer no
econômico, quer no político”. Isto é, pregava abertamente o abandono da
soberania nacional, afrontando abertamente a missão constitucional e histórica
das Forças Armadas, que é justamente a defesa intransigente da soberania e da
independência do país.
A
influência dos generais sobre o governo manteve-se até o final do mandato do
presidente José Sarney que, particularmente durante o período da elaboração da
Constituição de 1988, ficou sob a tutela do então ministro do Exército, o
general Leônidas Pires Gonçalves. Um oficial conservador que, entre 1974 e
1977, foi chefe do Estado Mario do então I Exército (no Rio de Janeiro), ao
qual o DOI-Codi carioca estava subordinado. Ele estava nessa função quando
ocorreu, em São Paulo, em dezembro de 1976, o Massacre da Lapa, articulado por
militares da repressão sediados no Rio de Janeiro.
Com
Fernando Collor de Mello, que sucedeu a Sarney na presidência da República,
teve início o desmonte das Forças Armadas, dentro do projeto de desmonte do
Estado Nacional e submissão do Brasil aos ditames das potências imperialistas.
Esse projeto foi aprofundado durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso,
sucateando as Forças Armadas Brasileiras, chegando ao vexame de muitos quartéis
e instalações militares não terem sequer como alimentar os recrutas, que
passaram a ser liberados para fazer suas refeições em casa.
Este
foi o resultado nefasto da vitória da corrente antidemocrática que levou à
ditadura militar, aos crimes cometidos pela repressão e, no limite - durante os
governos civis neoliberais dirigidos pelas neoliberais.
No
passado, os políticos conservadores e golpistas que rodeavam os quartéis em
busca da intervenção militar eram designados mesmas forças da direita que
prevaleceram durante a ditadura militar - à ameaça de desmantelamento das
Forças Armadas, abrindo mão deste instrumento fundamental para a defesa e
afirmação da soberania do país.
O
profissionalismo e o sentimento democrático dos oficiais contemporâneos
decorrem dessa dupla experiência: primeiro, do aprofundamento das conquistas
democráticas no país (“o Brasil mudou”, disse o general) e do alinhamento dos
novos oficiais a seus deveres legais e constitucionais. A outra experiência, de
caráter corporativo, decorre da ameaça de desmonte enfrentada nos governos como
“cassandras” ou “vivandeiras” - intrigueiros que buscavam o uso da força armada
para objetivos particulares, invariavelmente ilegais ou inconstitucionais. Na
última quinta-feira, as cassandras contemporâneas, ao fazerem apelo semelhante
a um alto comandante do Exército, ouviram um sonoro não. Mais um sinal do
declínio da direita fascista e golpista (que combina com o declínio eleitoral
dos partidos conservadores, como o DEM, por exemplo), que aponta para a
consolidação e fortalecimento institucionais no Brasil. Quem ganha com isso é a
democracia.
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