As
eleições de 2014 entrarão para a história como um dos maiores momentos da
esquerda brasileira. Mas por que esta vitória em especial merece destaque?
Na
busca por espaço político, o PSDB surfou na onda conservadora. Ao atrair para
seu campo figuras do fundamentalismo religioso, articulistas raivosos e figuras
políticas ligadas ao autoritarismo e defensoras do regime militar, os tucanos
conseguiram terceirizar sua comunicação com uma massa do eleitorado potencialmente
reacionária.
A
mobilidade social, num primeiro momento, trás o sentimento de euforia. Logo em
seguida, o sentimento é de preservação e de conservação do status adquirido. A
memória da classe média ainda é de pobreza.
O
discurso ultra-conservador emerge com maior facilidade, pois depende menos de
coerência. A grande mídia colaborou decisivamente para disseminar o medo em
quem se sente permanentemente na beira do abismo, sem representação
institucional e que acredita que seu sucesso é resultado unicamente de seu
mérito pessoal.
A
desigualdade social já faz parte da vida mental dos brasileiros. A inclusão
(ainda que insuficiente para equalizar injustiças históricas) de milhões de
pessoas no mercado de consumo e por consequência na vida cotidiana das metrópoles,
exerce uma pressão invisível para que os que já estavam estabelecidos também
sejam premiados com a subida de mais alguns degraus na escala social, sob pena
de se sentirem automaticamente mais pobres, quando na verdade estão mais
iguais.
Ao
agregar as forças políticas mais conservadoras e prejudicar o conteúdo
programático de seu projeto, os debates transbordaram à avaliação de desempenho
do governo Dilma, que nitidamente enfrentava problemas.
As
discussões políticas tradicionais foram convertidas em fábulas de ódio, repulsa
e preconceito.
Ainda
que as manifestações mais graves de intolerância não saíssem da boca do
candidato Aécio, havia um contingente de apoiadores ligados a
diferentes igrejas, grupos conservadores que realizavam esta função. As redes
sociais tornaram-se um canal de manifestação de sentimentos inconfessáveis,
impossíveis de serem transmitidos no horário eleitoral.
O
antipetismo odioso se tornou uma espécie grife de distinção e pertencimento
social. No esgoto da internet, corriam manifestações racistas, homofóbicas,
machistas e de preconceito social.
A
candidatura de Aécio, sem conexões sólidas com os movimentos sociais e a
sociedade civil organizada, conseguiu abrir a caixa de pandora que liberou os
mais terríveis monstros que estavam adormecidos e canalizou um coquetel de
sentimentos abrigados no antipetismo e no desgaste dos doze anos de governo
Lula e Dilma.
Ao
misturar política e comportamento, tornou-se mais fácil para um contingente de
eleitores que estava descolado do debate político cotidiano identificar nas
candidaturas diferenças mais sensíveis que fazem sentido em seu modo de vida.
Ao perceber que a candidatura de Aécio abrigava o discurso religioso,
homofóbico, regionalista e que muitos de seus eleitores exprimiam manifestações
preconceituosas, uma camada importante do eleitorado, que não necessariamente
defendia o Governo Dilma, passou a apoiar sua candidatura.
É
possível dizer que boa parte da galera que estava nas ruas no mês de junho de
2013, ao final do processo eleitoral se juntou às fileiras da candidatura de
Dilma.
O
comportamento violento e truculento da direita, unificou os setores
progressistas da sociedade. Seja dentro dos partidos políticos, ou até mesmo em
parte do eleitorado que não se sente representado pela política tradicional e
estava disposta a anular o voto.
Para
o próximo governo, a presidenta deverá contar com muito mais do que a base de
apoio parlamentar. Precisará sedimentar suas conexões com a sociedade civil e
com os movimentos sociais. Deverá disputar espaços em setores da classe média
que foram desprezados. Neste cenário em que a estratégia de parte da direita
parece ser incendiar o país e não reconhecer os fundamentos mais básicos da
democracia, não há outro caminho, senão politizar a sociedade. Falar, ouvir,
acolher. Superar a dinâmica das discussões obscurantistas e preconceituosas.
As
manifestações de preconceito e ódio e preconceito após a confirmação da vitória
da presidenta para um novo mandato nada mais é do que o sintoma de uma derrota
histórica.
Porque
uma derrota eleitoral se supera com a correção de rumos e angariando mais
apoios. Mas, ao deixar de reconhecer as motivações e escolhas da maioria dos
brasileiros, revela-se a falta de espírito público e o esgotamento de um
discurso que não tem mais tempo nem espaço para prosperar.
Certas
derrotas nos fazem mais fortes e nos colocam num estágio mais avançado para uma
futura vitória. Porém, existem derrotas que efetivamente nos tornam menores.
Que expõem e deixam evidentes o tamanho máximo que podemos alcançar. Quando se
suja as mãos e a alma para vencer a qualquer custo e mesmo assim se é superado.
Todas
as capas de revistas foram impressas, todos os boatos foram espalhados, todo o
ódio proferido. Deus teve seu santo nome jurado em vão. A fé do nosso povo foi
usada como elemento de chantagem política. Não havia nenhum obscurantista
sequer que não estivesse do lado de lá. E mesmo assim a direita foi derrotada.
Não há mais nada a temer!
A
vitória é dos progressistas! Uma vitória encorajadora, talvez nunca antes
ocorrida. Porque todos os conflitos estiveram à mesa. A imagem oficial da
campanha era justamente a Dilma presa pela ditadura.
Uma
vitória não só do povo brasileiro, mas também da América Latina. O Brasil, por
sua importância, é o fator de equilíbrio neste continente historicamente
oprimido e explorado, onde os processos políticos tendem a ser interdependentes.
O
Brasil adiou e escondeu por muito tempo certos conflitos na nossa sociedade.
Escondemos-nos em mitos e fantasias como o da democracia racial e de que tudo
sempre acabaria em samba. Agora, nós queremos mesmo é sambar, mas se tivermos
que estabelecer um grande e exaustivo debate político sobre os rumos do Brasil,
tudo bem, porque as lutas sociais sempre estiveram dentro da gente e fazem
parte de nossas vidas.